6 de mar. de 2012

Amigos e Vinis


Muitos tem como maiores conquistas da vida, seus bens materiais, outros tem os amigos em prioridade, existem muitos que devem tudo a família...

Lembro-me de uma memória peculiar, uma vez ao visitar a cidade da minha tia e irmã, por conta do ócio fui ao centro com o meu irmão. Lá procuramos artigos automobilísticos para seu carro e paramos para um sorvete. Na volta, tomamos um caminho diferente que havíamos vindo e ao passar por uma loja meu olhar logo percorreu seu interior, vários vinis, dvd's, livros, cd's, revistas e afins, não precisei nem ler o nome da loja para ter certeza do que era. Nunca havia entrado em um sebo antes, e persuadir meu irmão a parar lá por alguns minutos não foi nada fácil, pois venho de uma família com ideias diferentes quando se trata de cultura. Tenho pais que não acham que valha a pena comprar CD's e DVD's porque segundo eles "tem tudo na internet". Sorte que não têm nenhuma objeção contra livros, seria de mais... Tenho irmãos que não compartilham o mesmos gostos que o meu, (o máximo de consenso cultural que chegamos foi eu gostar da trilha sonora de Dirty Dancing que minha irmã é viciada). Mas sempre nos respeitamos quanto a isso, aliás meu pai foi um grande protagonista nessa história toda de formar minha bagagem cultural. Lembro-me que as primeiras canções dos Beatles eu ouvi de um DVD daqueles de coletânea que reúne os grandes sucessos do século, ou décadas, não me lembro ao certo. Haviam três canções dos Beatles e depois de voltá-las pressionando o repeat no controle remoto resolvi conhecê-los melhor, a fascinação veio de imediato.
Enfim, depois de olhar prateleiras e prateleiras com coisas que me enchiam os olhos, ver títulos e capas de livros que me valeriam algumas horas perdidas e DVD's de shows e filmes incríveis voltei para a sessão de vinis. Passei por uma fileira cuidadosamente. Jimi Hendrix, David Bowie, Rolling Stones e vários desses que hoje em dia me fazem querer voltar lá e rezar para que ainda estejam lá. Parei por um segundo pelo Shaved Fish, a primeira coletânea do John Lennon cuja a capa está ilustrando este post. Havia sido um grande fiel a carreira dos Beatles, entretanto era um ateu quando se tratava das carreiras solos dos membros da banda. Não teria nada melhor do que começar em grande estilo por uma coletânea do John Lennon. Estava sem dinheiro e implorei ao meu irmão para comprar com a permuta que iria pagá-lo depois ou até mesmo lavar o seu carro, o que o fez aceitar na hora. Sai contente da loja, aaah, vocês não tem noção.
Sempre gostei muito dessa cidade em questão, gostava do fato de respirar aquele ar, havia algo do diferente que não sei explicar, contudo, a minha vontade de ir embora para escutar aquele vinil era maior que qualquer excitamento, portanto adiei a minha volta. Chegando em casa fui seco escutá-lo, mas a má notícia que o tocador de vinil do rádio dos meus pais não funcionava mais, deve ter sido pela falta de uso depois de tantos anos. Fiquei triste, me arrependi de ter voltado para a casa, eis que lembrei que meu avô havia um tocador de vinil velho, e tentei lembrar qual seria o paradeiro daquilo quando ele faleceu. Estava na casa da minha irmã, lembrei no segundo momento, fui correndo pra lá, lembro-me que ela não estava em casa e eu pulei a janela do quarto do meu sobrinho, liguei o tocador, coloquei o vinil, delicadamente, com medo, coloquei a agulha sobre o vinil e o som emitido foi dos anjos, êxtase total. Me lembro de ter ouvido incontáveis vezes, nunca fui de visitar minha irmã, mas agora eu tinha um motivo.


Conheci alguém com que poderia falar sobre música, especificamente Beatles, outro apaixonado. Que me disse inúmeras curiosidades e me ajudou nessa empreitada, um amigo que gostava de Beatles, era o máximo, um terreno totalmente inexplorado e novo, minha relação com música mais clássica, para não dizer velha, era estreita e quase invisível, nos falávamos todos os dias. Quando recebi a notícia que iria se mudar para tentar ter um futuro melhor foi estranho, não queria perder aquilo, tinha se tornado meu melhor amigo...  Entretanto, sempre fui péssimo para externar certos sentimentos, e tenho a sensação que isso passou meio despercebido. Não ao todo, porque gosto de ser sútil, direto em minhas subjetividades. Quando foi o dia da despedida, pensei que tinha que significar algo, não podia deixar aquela amizade morrer sem lembranças. Naquela altura, aquele vinil era a coisa mais rara que eu possuía, pensar dessa maneira deixava confortável, ouvir algo produzido por eles me fazia sentir uma conexão, mesmo que indiretamente, com os artistas. Como se o fato de eu possuir aquele vinil, eu estaria fazendo parte de uma estatística, gostava de procurar coisas para me fazer sentir especial, então o fato de eu ser um cara que recebeu um vinil de uma distribuidora que primeiramente passou por um processo de gravação em uma gravadora que teve nos estúdios tais cantores me faziam sentir assim... Totalmente louco, eu sei.
Cheguei em sua casa, de imediato entreguei o vinil, ele me deu um abraço e disse:

- Mas cara, é raro.
- Você também é.

E nos abraçamos. Foi estranho, já havia tido despedidas em minha vida, mas não de alguém tão significativo que modificou seus ideais para continuar sendo meu amigo, aquilo tinha um peso imenso para mim. Penso que o vinil não tenha sido uma lembrança à altura, mas simbolicamente, era raro, em um contexto inimaginável. Hoje em dia mantemos pouco contato, online apenas, e demoramos a nos encontrar, mas quando acontece são encontros intensos, conversas específicas, pensamentos e acompanhamentos auto-destrutíveis. A distância me fez pensar que essa amizade havia acabado, o fato de não ter essa relação pessoal e física me fez acreditar que já tinha dado o que tinha que dar. Mas hoje entendo que essa distância apenas fortalece os encontros que estão por vir. Quando nos falamos, perguntamos da vida um do outro, queremos saber, principalmente dos êxitos, é o que eu mais gosto de ouvir/ler, porque sempre torci muito pelo seu sucesso que é inevitável.

Foi um momento e tanto, afinal a vinda é feita de encontros e afetos. A você meu grande amigo, eu dedico esse texto, e espero que a cada vez que você olhar esse vinil, não importa o lugar que ele esteja, lembre de todos os nossos encontros e conversas. Ainda desejo-lhe o maior de todos os sucessos.

Ps: If I Fell é de que álbum mesmo?

Um comentário:

  1. Ah cara, eu poderia me estender e fazer um post-coment maior que seu texto, mas não sou eu o dono do blog e acho que o único interessado a ouvir o que eu tenho a dizer é você hahahahahaha

    Toda vez que tento começar minha coleção de vinil, só lembro dele. Tá guardado, dentro daquela camisinha que ele veio. E se alguém me perguntar, terei peitos cheios pra contar que foi um presente, de um grande amigo e, principalmente, da maneira que foi.

    Meu primeiro e mais sgnificativo vinil
    Obrigado cara.







    If I Fell é do Hard Days Night, se não me engano hahahahahahaa

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