17 de mai. de 2012

18-05-1980




Frio insólito que fazes em minha rua, em especial, meu quarto congela. Minha respiração ofega ao ritmo em que meus nervos se enrijecem, a cervical experimenta calafrios de diferentes intensidades e a água salgada ao saltar frenética dos meus olhos anuncia o desespero e a desordem. O pacote a frente de minhas pernas cruzadas sobre minha cama deixava algumas fotos escaparem, em meu campo de visão difuso, encontrava-se registros de um amigo, de um bom amigo. Junto às fotografias se encontrava um cartão, havia me mandado em momentos difíceis de desilusões afetivas:


            “Tudo que é grande passa longe da praça pública e da glória. Longe da praça pública e da glória viveram sempre os inventores de valores novos. Foge, meu amigo, para o teu isolamento, vejo-te aqui aguilhão por moscas venenosas.”


Sua forma de me proteger, sutil e subjetiva, viraria seu lema mais tarde, o isolamento que tanto me oferecia, seria seu melhor companheiro e amigo, até melhor amigo que eu...  Ao som de Bowie, atropela meus pensamentos uma memória em particular, quando assisti, meu saudoso amigo defronte a mim, ter um ataque epilético. A morte o parecia tão amiga, naquele momento parecia que espreitava por buscar uma relação mais intensa, mais douradora, perpétua por assim dizer.  Era assustador, não sabia o que fazer, a ideia de nos separarmos era impensável. Tudo se normalizou, até o momento que seus pés, pairavam no ar, de um lado para o outro dançavam no ritmo em que o vento regia, nada comparado as suas danças frenéticas em palco, pelo contrário, era suave como a melodia de suas melhores baladas.
Meu saudoso amigo, sei que estás ao meu lado, sua visita hoje é especial, dessa vez não veio me acompanhar em momentos de solidão, veio, da sua forma, se desculpar pelo egoísmo de partir e não pensar nos demais que o amam. Mas não o culpo, você perdeu o controle...


9 de mai. de 2012

7 Minutos


  

O Sr Marlboro estava sentado em um pub inglês de iluminação opaca e arquitetura rústica, esperava pelo Sr Dunhill para jogar conversa fora depois de um dia cheio de trabalho. Os dois eram ativistas hipócritas que organizavam marchas em redes sociais para uma política antitabaco. O Sr Dunhill – Carlton como gostava de ser chamado – chegou e pediu mais uma Guiness e um copo, precisava relaxar após um dia cansativo na câmara. Beberam-na toda e foram para a área de fumantes, lá Carlton pediu um cigarro.
- Marl, me arruma um cigarro ai, o meu acabou.
- Tome - disse o Sr Marlboro.
Carlton logo recusou ao ver o maço e comprou um para si.
- Não sei por que você gosta desse de pseudointelectuais, é nojento.
Sr Marlboro indiferente puxou um humano do maço pelos fios de cabelo e colocou na boca, entremeio a fumaças disse:
- Gosto de ver a espessura da fumaça, é como se a psique que eles tanto acreditam possuir fosse mais espessa devido à autoconfiança de se sentirem superiores.
- Pois eu gostava mais dos políticos, se for para morrer, que pegue um forte, a refrescância da corrupção é realmente muito boa, mas hoje não estou me sentindo bem, vou fumar um vegetariano – e puxou um humano de cabelos verdes do maço, acendendo-o bem na cabeça.
Dentro do maço, os humanos que restavam espremidos bracejavam:
- Sabe que quando entrei na agência eu sonhava em ser um humano grande e servir a diplomatas bem sucedidos, ser um daqueles que, acompanhado de um bom whiskey, seriamos o complemento perfeito para negócios importantes a serem fechados, mas o sistema me enganou. – disse o humano vegetariano triste.
- Essa é a nossa chance de escapar, quando ele pegar o próximo da fila, pularemos pela fresta como se ele nos tivesse deixado cair, daqui, marcharemos para o consulado mais próximo, não me importa se será do Azerbaijão ou Índia, seremos importantes.
E assim fizeram. Logo que Carlton pegou mais um - o próximo da fila- pularam do maço três humanos, em uma queda nada confortável, dois deles rolaram para debaixo do balcão, mas o outro fora avistado pelo ativista que logo o apanhou e o colocou novamente para dentro do maço.
- Vamos sair daqui enquanto podemos – E assim fizeram, correram para a porta, ríspidos como um raio e saíram pelo mundo afora.
O sol de imediato os cegou porque não viam luz de dentro de seus apertados maços, ao retomar a visão um deles teve uma ideia:
- Ta vendo aquela poça? Vamos rolar ali dentro, ninguém gosta de humanos molhados, assim nos livraremos de mendigos e andarilhos que pegam bitucas no chão. – E assim o fizeram, ficaram ensopados.
Marcharam avenida adentro e como suas vidas curtas se resumiam a fábrica de produção e logo em seguida o maço, não tinham o menor senso de direção e perspectiva. Estavam em uma cidade industrial, e tudo era uma grande imensidão para aqueles pobres e pequenos humanos lutando pelos seus sonhos.
- Lembra quando estávamos no balcão do Pub? Sentaram dois empresários e ao conversar notamos que eles tinham as vozes grossas, e empresários e diplomatas são quase a mesma coisa não é? Vamos procurar por pessoas de vozes grossas.
- Perfeito, você é um gênio.
E assim o fizeram, andaram sem deixar se abater pelo calor escaldante e o movimento frenético das pessoas em passo acelerado para viver suas vidas conformistas. Passaram por grandes monumentos feitos para cigarros que foram importantes para a sociedade, mas afoitos, não perceberam a beleza ao seu redor. Continuavam pelo sinuoso trajeto, a esperança os guiava de forma religiosa, a fé de um futuro melhor era o combustível de toda a jornada. Andaram por horas, e a penumbra já caía, por mais que a iminência desejava fazê-los prosseguir, seus corpos já não aguentavam mais, era triste perceber que seus sonhos estavam longe e inalcançáveis. Na cidade que nunca para, o movimento já diminuía e o frio tomava conta.
- Precisamos nos aquecer – Um humano disse a outro, e ao avistar uma nota de vinte reais correram para baixo dela e se enrolaram... O calor humano iria os aquecer.
Toda vida seus companheiros de maços eram trocados por aquele pedaço de papel que continha algum valor, contudo, mal sabiam do que se tratava.
Do outro lado da rua, dois cigarros bem vestidos esperavam o sinal fechar para atravessar a rua. Um deles tinha a cinza bem penteada em forma de um topete, e uma jaqueta de couro, o outro usava uma espécie de cinza em franja e ternos bem cortados, como se o mod e o rock tivessem feito as pazes na representação de dois rapazes jovens que buscavam por prazeres excessivos. Ao atravessar a rua, um deles, o mod, avistou a nota de vinte reais e sem pestanejar, apanhou e logo mostrou para o amigo.
- Hoje é meu dia de sorte – disse enquanto desenrolava a nota a procura de outras que estariam juntas.
Ao ver dois humanos enrolados, colocou-os no campo de visão do amigo.
- Joga isso fora, não sabemos da onde veio. – parecia o mais sensato a se fazer, mas interpretou aquilo como um presságio, um sinal, e os guardou no bolso até segunda ordem.
Continuaram seu trajeto, os dois humanos dormiam confortáveis na calça levi’s do cigarro, não tinham consciência da onde iriam. Pararam defronte a uma casa, e tocaram a campainha, mais dois amigos saíram, um deles tinha um aspecto introspectivo, vestia roupas soberbas e mórbidas, sempre pretas, como se estivesse em depressão contínua, o outro usava óculos redondos e tinha os cabelos compridos. Os quatro seguiam seu caminho despreocupados, não andaram muito e chegaram a seu destino, a casa do rocker.
Aparentemente vivia sozinho, os outros três logo abriram a geladeira e se serviram de cerveja.
- E aí, vamos começar?  - perguntou o rapaz de cabelos longos.
Os outros afirmaram com seus semblantes excitados.
- Vocês sabem o que fazer, tem que ser bem sincronizado, e quando der certo, vamos nos sentar no centro.
E assim o fizeram, cada um ocupou um canto da sala onde havia um tocador de CD.
- Um, dois, três e já. – Ordenou o mod.
Foram certeiros de primeira, sentaram ao centro e fecharam os olhos...
A primeira música já estava ficando fraca quando o rapaz lembrou dos humanos em seu bolso, seria uma forma de intensificar a experiência, logo os pegou e acendeu um, o outro amigo acendeu o outro, e os quatro iriam revezando.
Quando a chama tocou os cabelos dos humanos eles logo despertaram, e ao ouvir a voz de um dos amigos a perguntar onde haviam arrumado aquele cigarro logo pensaram “são os diplomatas” pois o rapaz tinha a voz grossa. Felizes, fecharam os olhos e esperaram por aquele momento tão aguardado, nem verificaram se havia um whiskey acompanhando, a cada tragada, os humanos sentiam sua alma se transformar em algo novo, seriam cinzas realizadas. Tudo o que puderam ouvir foi:
- Track number two. This is CD number one, number two, number three and number four...