O Sr Marlboro estava sentado em um pub inglês de
iluminação opaca e arquitetura rústica, esperava pelo Sr Dunhill para jogar
conversa fora depois de um dia cheio de trabalho. Os dois eram ativistas
hipócritas que organizavam marchas em redes sociais para uma política
antitabaco. O Sr Dunhill – Carlton como gostava de ser chamado – chegou e pediu
mais uma Guiness e um copo, precisava relaxar após um dia cansativo na câmara.
Beberam-na toda e foram para a área de fumantes, lá Carlton pediu um cigarro.
- Marl, me arruma um cigarro ai, o meu acabou.
- Tome - disse o Sr Marlboro.
Carlton logo recusou ao ver o maço e comprou um para si.
- Não sei por que você gosta desse de pseudointelectuais,
é nojento.
Sr Marlboro indiferente puxou um humano do maço pelos
fios de cabelo e colocou na boca, entremeio a fumaças disse:
- Gosto de ver a espessura da fumaça, é como se a psique
que eles tanto acreditam possuir fosse mais espessa devido à autoconfiança de
se sentirem superiores.
- Pois eu gostava mais dos políticos, se for para morrer,
que pegue um forte, a refrescância da corrupção é realmente muito boa, mas hoje
não estou me sentindo bem, vou fumar um vegetariano – e puxou um humano de
cabelos verdes do maço, acendendo-o bem na cabeça.
Dentro do maço, os humanos que restavam espremidos
bracejavam:
- Sabe que quando entrei na agência eu sonhava em ser um
humano grande e servir a diplomatas bem sucedidos, ser um daqueles que,
acompanhado de um bom whiskey, seriamos o complemento perfeito para negócios
importantes a serem fechados, mas o sistema me enganou. – disse o humano
vegetariano triste.
- Essa é a nossa chance de escapar, quando ele pegar o
próximo da fila, pularemos pela fresta como se ele nos tivesse deixado cair,
daqui, marcharemos para o consulado mais próximo, não me importa se será do
Azerbaijão ou Índia, seremos importantes.
E assim fizeram. Logo que Carlton pegou mais um - o
próximo da fila- pularam do maço três humanos, em uma queda nada confortável,
dois deles rolaram para debaixo do balcão, mas o outro fora avistado pelo
ativista que logo o apanhou e o colocou novamente para dentro do maço.
- Vamos sair daqui enquanto podemos – E assim fizeram,
correram para a porta, ríspidos como um raio e saíram pelo mundo afora.
O sol de imediato os cegou porque não viam luz de dentro
de seus apertados maços, ao retomar a visão um deles teve uma ideia:
- Ta vendo aquela poça? Vamos rolar ali dentro, ninguém
gosta de humanos molhados, assim nos livraremos de mendigos e andarilhos que
pegam bitucas no chão. – E assim o fizeram, ficaram ensopados.
Marcharam avenida adentro e como suas vidas curtas se
resumiam a fábrica de produção e logo em seguida o maço, não tinham o menor
senso de direção e perspectiva. Estavam em uma cidade industrial, e tudo era
uma grande imensidão para aqueles pobres e pequenos humanos lutando pelos seus
sonhos.
- Lembra quando estávamos no balcão do Pub? Sentaram dois
empresários e ao conversar notamos que eles tinham as vozes grossas, e
empresários e diplomatas são quase a mesma coisa não é? Vamos procurar por
pessoas de vozes grossas.
- Perfeito, você é um gênio.
E assim o fizeram, andaram sem deixar se abater pelo
calor escaldante e o movimento frenético das pessoas em passo acelerado para
viver suas vidas conformistas. Passaram por grandes monumentos feitos para
cigarros que foram importantes para a sociedade, mas afoitos, não perceberam a
beleza ao seu redor. Continuavam pelo sinuoso trajeto, a esperança os guiava de
forma religiosa, a fé de um futuro melhor era o combustível de toda a jornada.
Andaram por horas, e a penumbra já caía, por mais que a iminência desejava
fazê-los prosseguir, seus corpos já não aguentavam mais, era triste perceber
que seus sonhos estavam longe e inalcançáveis. Na cidade que nunca para, o
movimento já diminuía e o frio tomava conta.
- Precisamos nos aquecer – Um humano disse a outro, e ao
avistar uma nota de vinte reais correram para baixo dela e se enrolaram... O
calor humano iria os aquecer.
Toda vida seus companheiros de maços eram trocados por
aquele pedaço de papel que continha algum valor, contudo, mal sabiam do que se
tratava.
Do outro lado da rua, dois cigarros bem vestidos
esperavam o sinal fechar para atravessar a rua. Um deles tinha a cinza bem
penteada em forma de um topete, e uma jaqueta de couro, o outro usava uma
espécie de cinza em franja e ternos bem cortados, como se o mod e o rock
tivessem feito as pazes na representação de dois rapazes jovens que buscavam
por prazeres excessivos. Ao atravessar a rua, um deles, o mod, avistou a nota
de vinte reais e sem pestanejar, apanhou e logo mostrou para o amigo.
- Hoje é meu dia de sorte – disse enquanto desenrolava a
nota a procura de outras que estariam juntas.
Ao ver dois humanos enrolados, colocou-os no campo de
visão do amigo.
- Joga isso fora, não sabemos da onde veio. – parecia o
mais sensato a se fazer, mas interpretou aquilo como um presságio, um sinal, e
os guardou no bolso até segunda ordem.
Continuaram seu trajeto, os dois humanos dormiam
confortáveis na calça levi’s do cigarro, não tinham consciência da onde iriam.
Pararam defronte a uma casa, e tocaram a campainha, mais dois amigos saíram, um
deles tinha um aspecto introspectivo, vestia roupas soberbas e mórbidas, sempre
pretas, como se estivesse em depressão contínua, o outro usava óculos redondos
e tinha os cabelos compridos. Os quatro seguiam seu caminho despreocupados, não
andaram muito e chegaram a seu destino, a casa do rocker.
Aparentemente vivia sozinho, os outros três logo abriram
a geladeira e se serviram de cerveja.
- E aí, vamos começar?
- perguntou o rapaz de cabelos longos.
Os outros afirmaram com seus semblantes excitados.
- Vocês sabem o que fazer, tem que ser bem sincronizado,
e quando der certo, vamos nos sentar no centro.
E assim o fizeram, cada um ocupou um canto da sala onde
havia um tocador de CD.
- Um, dois, três e já. – Ordenou o mod.
Foram certeiros de primeira, sentaram ao centro e
fecharam os olhos...
A primeira música já estava ficando fraca quando o rapaz
lembrou dos humanos em seu bolso, seria uma forma de intensificar a
experiência, logo os pegou e acendeu um, o outro amigo acendeu o outro, e os
quatro iriam revezando.
Quando a chama tocou os cabelos dos humanos eles logo
despertaram, e ao ouvir a voz de um dos amigos a perguntar onde haviam arrumado
aquele cigarro logo pensaram “são os diplomatas” pois o rapaz tinha a voz
grossa. Felizes, fecharam os olhos e esperaram por aquele momento tão
aguardado, nem verificaram se havia um whiskey acompanhando, a cada tragada, os
humanos sentiam sua alma se transformar em algo novo, seriam cinzas realizadas.
Tudo o que puderam ouvir foi:
- Track number two. This is CD number one, number two, number three
and number four...