17 de out. de 2012

Diário do caráio.


Thom era um jovem que acabara de completar anos. De presente para si mesmo, resolveu se isolar. Saiu do país, e não contente, do continente. Precisava deixar os maus encontros para trás, sobretudo os bons. Ao chegar a solos estranhos, a representante da monarca o cumprimentou com um sorriso pesado, carregado de má vontade, estampado em todas as notas. Por vaguear sem rumo, resolveu parar em uma banca de jornal. Como que tradição, comprou suas usuais revistas para manter-se informado, principalmente as de música e de cinema. Ficou radiante por ter encontrado um exemplar da Cahiers Du Cinema naquela simples banca, havia começado a colecionar exemplares fazia pouco tempo, já possuía algumas dezenas. Ia saindo quando seus olhos avistaram ao canto alguns cadernos de capa de couro. Tinha de todos os jeitos e formatos: sintéticos, marrons, de jacaré, estilizados, vazados. Mas um em especial lhe chamou a atenção; Era de couro preto, apenas isso. Carregava uma capa simples como as páginas, até mesmo sem linha. Gostava do simples, ou pelo menos, gostava de se iludir dessa maneira. A única coisa que lhe incomodavam era os dizeres “Diário” no canto inferior direito, porém achou que seria capaz de ignorar.
Saiu do local não sem antes pegar alguns exemplares de palavras cruzadas, era viciado, desde pequeno, sua mãe lhe ensinou esse hábito. Ao continuar sua atarefada atividade de vagar pelas ruas gélidas de uma capital desconhecida, resolveu parar em um pub para espairecer um pouco. Inclusive motivos que o fizeram estar ali. Sentou ao balcão, desconfortável foi para o canto do bar, uma mesinha de dois lugares mal iluminada. Perfeito! A última coisa que queria era ser incomodado, com exceção do barman que demorava alguns minutos para atendê-lo. Depositou com cuidado as compras recentes na mesa. Analisou as capas e fitou por algum tempo a capa de couro. Sentiu-se intimidado. Nunca tivera o hábito de escrever em diário. Pensou se não estaria velho de mais para aquilo. Desistiu, colocou o pequeno caderno de lado e pegou uma revista de cinema para ler. Seu francês razoável conseguiu ler os dizeres
Découvertes dês journaux quotidiens de Jean Luc Godard”, que dizia mais ou menos “Descobertos diários de gravações de Jean Luc Godard”, aquilo lhe causou algo estranho. Godard tinha um diário... Seu ímpeto em ser grande lhe impulsionou a abrir o diário e escrever as saudações clichês:

“Querido diário. Não faço a mínima ideia do que quero lhe dizer, por isso espero que seja paciente. Entre uma cerveja e outra me abrirei com você. Espero que vá se preparando da sua maneira, pois não tem cervejas que possais beber para aguentar meus dizeres enfadonhos. Sinto-me estranho fazendo isso, você me causa algum tipo de repulsa. Mas ao mesmo tempo, me excita. Tenho-te como um amigo ausente. Quero contar-lhe coisas que nunca contei. Quero escrever de coisas que me doem. Coisas que nunca contei. Quero falar de meus pais. Por onde começo? Preciso apresentá-los? Creio que não, afinal, acabei de “te conhecer”. Vou parar de falar com você como se fosse uma entidade, sinto-me estúpido. Enfim, essa é a história de como uma relação familiar me causou cicatrizes profundas; Nasci, como toda pessoa. Cresci, como quase todas. Mentalmente, julgo-me proporcional a idade.  Emocionalmente sou um Neandertal. É o seguinte, quando um filho nasce, é depositado todo o amor guardado na dispensa afetiva dos recém papais, acho que foi assim, infelizmente não me lembro. Minha infância foi um momento bem decisivo na minha vida, comecei a me estruturar ali. Na adolescência já tinha minha base para começar a enfrentar as típicas fases, a de revolta durou um pouquinho mais do que o previsto, mas a inconsequência me acompanhava como que uma irmã. Desde cedo aprendi a ser eu. E isso, devo somente a mim, o grande responsável de tudo.